quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Nervos

É estranho sentir o medo tocar as mãos, e as pernas querendo tombar. Essa sensação esquisita, que se apossa da boca do estomago, parecendo fazer cócegas em toda a extensão do tubo digestivo e que ao invés do riso, vem até a boca palavras impronunciáveis. Logo as unhas sentem vontade de estabelecer contato com os dentes. O que torna tudo ainda mais bizarro, pois elas parecem implorar para que eles as mordam e tirem pequenas lascas delas. Elas não se importam de serem furiosamente roídas. O problema é quando acabam as unhas, e os cantinhos dos dedos se desesperam. Se sobre a mesa for encontrada pelas mãos uma caneta, a tampa dela vira atração dentes, também. Os olhos são atraídos pela confusão. Parecem sair de orbita focando apenas o motivo pelo qual os nervos ficaram hipersensíveis. Agitadíssimos. Engraçada essa sensação, cujo nome é nervosismo.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Quando o desejo por escrever entra em conflito com o influxo, as palavras, um tanto quanto embriagadas, chegam até o papel.
A vontade de organizá-las de forma convincente é real, porém a dança desorientada que a caneta tende a fazer mostra, que por mais vontade que se tenha, falta alguma coisa. Falta aquele impulso. Algo que aparenta ter teimosia e se mostra apenas quando quer. Falta aquela espontaneidade que surge não se sabe de onde, nem se sabe o porque. Falta a existência de algo vivo, e não mecanizado. Aquilo que não se pode controlar.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Tu estas no centro. Todos a sua volta fazem graças para te agradar. Eles conseguem. Tu sorris muito. Aquele seu sorriso de canto. Eu aqui da porta posso vê-lo. Te contemplo daquela forma que as mães contemplam sua cria recém nascida. Sorriso bobo. Tu não me notas. Isso me faz querer desabar e eu sinto a melancia entalada na minha garganta. Sinto, também, águas embargando lentamente nos meus olhos.
Eu sei que tu não me vês aqui parada, mas quando eu sorrio ainda é pra ti.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Sossegar-se
Aproximar-se sem tremor
Desapego.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Por que não vens na contramão?

Hoje no banho lembrei do seu cabelo. Lembrei de como o caimento dele me cai bem. De como a cor avelã que ele tem combina com o meu.
Com a ponta do dedo escrevi no vapor do vidro do box um bilhete para ti.
O vapor evaporou, porém o bilhete continua gravado. Gravado em mim.
Senti o cheiro da merenda. Recordei o meu pote de formato oval com alça. Lembre da cor verde piscina que ele tinha, e da tampa roxa. Pude sentir o cheio dos salgadinhos que minha mãe colocava dentro da minha lancheira vermelha. Eu não consegui lembrar o beijo no rosto. Creio que não lembrei porque recordações são momentos que existiram.Lembrei de como eu era leve. E senti o peso subir nos meus ombros quando pude ver o pote vazio dentro do armário e os salgados que permaneciam dentro da embalagem. E a embalagem já nem era tão colorida. Lembrei de como eu me tornei pesada.

domingo, 10 de outubro de 2010

Espero

Eu percorria uma estrada de chão batido, em direção ao desconhecido, quando a encontrei diante de uma porta de vidro onde havia escrito: fechado. Ela parecia apreensiva, queria entrar, mas o estabelecimento condizia com a placa: estava fechado.
Minha jaqueta de couro preta combinava com o meu capacete. Minha calça de chuva estava mais justa do que eu desejava. Incomodava um pouco. Será que ela me reconheceria se eu a assaltasse? Ela só estava segurando uma bolsa, acho que não daria tanto trabalho assim.
Ela olhava o relógio e desviava o olhar enquanto batia o pé contra o chão repetidas vezes.
Avancei. Cheguei mais perto, há cerca de quatro metros de distância onde ela estava, aproximadamente. Desliguei o motor da moto. Tudo o que se podia ouvir naquela noite era o silêncio. E o que se podia respirar era o cheiro do medo.
Eu tremia, embora minhas mãos permanecessem dentro do bolso da minha jaqueta. Nunca havia assaltado alguém antes. Meus pés alcançavam bem ao chão, então me equilibrei sobre a motocicleta.
Ela arrumou uma mecha de cabelo atrás da orelha. A mecha de cabelo era teimosa. Ela ajeitou o cabelo atrás da orelha novamente.
Meus nervos estavam toda a flor da pele. Era como se uma faísca de cigarro tivesse colocado fogo em uma pilha de jornais, acidentalmente. A faísca do cigarro era aquela mulher, e o incêndio era o que ela me fizera sentir.
Sem maiores rodeios desci da moto, mas não retirei o capacete. Olhei em volta e não havia ninguém ali. Só nós dois, como eu desejava.
Diminui a distância entre nós dois. Percebi que os olhos dela me fitavam, pois os meus estavam mergulhados nos dela. Notei que os olhos dela, além de lindos, estavam medrosos. Confusos. Talvez ela estivesse perguntando por que eu estava me aproximando.
Senti o seu perfume quando a encostei naquela porta de vidro, iluminada apenas pelo poste que estava posicionado há cerca de 2 metros de distancia. A iluminação era pouca, mas era suficiente para que eu contemplasse aquele belo rosto. Belo rosto para uma mulher de quarenta anos. Sem rugas, apenas algumas imperfeições que o deixavam ainda mais bonito. Era o seu charme. Ela sentiu o calor do meu corpo de homem quando a prensei contra a porta. Ouvi um grunhido baixinho. O capacete abafava o som da sua voz, fazendo com que os meus ouvidos ouvissem quase nada do que ela dizia. Eu não abri a viseira, então ela não podia ver o meu rosto, pois a viseira impedia.
Nossos dois corpos segurados por aquela porta de vidro. Apenas nós dois naquele breu mal iluminado. As casas ficavam longe dali. A loja que ela escolheu, pro seu azar ou sorte, era uma loja que vendia apenas utensílios domésticos.
- o que você veio comprar nessa loja – indaguei.
Como já era de se esperar, ela respondeu a minha pergunta com chutes. Ela começou a se debater, tentando se soltar. Foi inútil. Eu era mais forte do que ela. E ela sabia disso. Vi que seus lábios mexiam freneticamente, mas tudo o que eu ouvia era apenas mios. Esperei que ela se acalmasse e então abri a viseira. Não completamente. Abri só uma brecha pra poder falar e escutar o que ela me dissesse. Ouvi xingamentos de todos os tipos: desde ladrão à xingamentos em relação a minha mãe, que nem estava presente. Ouvi com dor todas aquelas palavras fria, que penetravam em meu interior querendo me fazer sentir raiva, mas tudo o que eu podia sentir naquele instante eram as lágrimas que escorriam pelo meu rosto e paravam no meu queixo, fazendo uma irritante cócega. Ela não enxergava minhas lágrimas, por causa do capacete. Agradeci por isso.
Depois de alguns instantes em silêncio, ela pediu para que eu não fizesse nada com ela. Dizia que não tinha muito dinheiro, mas que eu poderia levar o que ela tinha ali e mais o relógio, que valia muito. Disse-me que as roupas que ela estava usando também gerariam uma boa quantia, e que não teria vergonha de tirá-las e entregar a mim e ir sem elas embora.
Escutei os apelos e então lhe perguntei:
- Se você me encontrasse na rua um dia, me reconheceria?
Ela pareceu confusa e respondeu a minha pergunta com outra pergunta:
- Você está usando um capacete, que cobre o seu rosto. Como eu poderia lhe reconhecer? Usar capacetes é o novo disfarce? Agora são capacetes ao invés da marcara que cobre toda a cabeça e deixa apenas os olhos a mostra?
-Os olhos são os mais fáceis de reconhecer – Respondi com um nó na garganta.
- O que você quer de mim afinal, cara? Porque não leva logo o que você veio buscar e me deixa ir embora?
- Eu vim buscar você.
Ela parecia uma pomba que acabara de se chocar contra um vidro transparente de um edifício alto. Ficou branca. O sangue pareceu sumir do seu rosto. Eu segurava suas mãos nas minhas, contra o vidro e as senti gelar numa fração de segundos.
Eu ouvia o meu coração batendo. Ele batia tão rápido que parecia querer sair correndo do meu peito.
-Está sentindo o meu coração? Perguntei.
-Sim.
- Eu vim assaltá-la.
- Porque ainda não cometeu o crime? Disse-me ela com a voz embasbacada.
Vi as lágrimas brotarem nos seus olhos. Embargadas elas estavam quando uma caiu delicadamente sobre sua pele.
-Que tipo de assaltante é você? Gosta de ver só o sofrimento da sua vítima ao invés de assaltá-la? O meu medo te faz sentir adrenalina? Faz-te sentir vivo? O meu medo é mais valioso do que o meu dinheiro pra você? Você é um assaltante de sentimentos?
Que tipo de assaltante eu era? Aquele que rouba o coração das pessoas, talvez.
-Eu vim lhe assaltar. - Reforcei minha afirmativa – Vim roubar um beijo seu.
Impossivelmente ou não, as mãos dela pareciam pedras de gelo.
- Você é um louco! Seu tarado! Me solte! Agora!
Inutilmente ela lutava contra minha força. Eu não queria machucá-la, mas notei que minhas mãos apertavam mais ainda os seus pulsos. Esperei que ela parasse de se debater para afrouxar as minhas mãos dos pulsos dela. Não era a minha intenção machucá-la. Pelo contrário.
- Um dia você me disse que não importava o modo como eu estivesse vestindo. Não importava a cor ou o estilo da roupa. Não importava se meu rosto tivesse coberto ou minhas mãos dentro do bolso. Você me disse que me reconheceria apenas pelo meu jeito, pelos meus gestos e voz. Você se lembra disso?
A verdade caiu como um meteoro contra ela. Ela ficou paralisada. Agora não era o medo que a fizera paralisar, mas sim aquelas palavras que a levaram para aquele dia no parque, onde ela disse todas aquelas e muitas outras coisas a ele.
- Você lembra? Eu disse que eu voltaria e roubaria um beijo seu. Eu não sou um mau feitor, e nem mesmo é verdade todas aquelas acusações que você me fez a alguns minutos atrás. Vi você aqui parada e já fazia tanto tempo que não nos víamos. Pensei que me reconhecesse logo de cara, e então me desse um abraço e entendesse a minha reação brincalhona de te colocar contra a parede. Você costumava gostar.
O arrependimento a fez mergulhar dentro de si. Como não teria ela reconhecido o homem que um dia a mostrou tudo o que a vida pode ter de mais belo? Todo o encantamento? Como pode ela não reconhecer a paixão que gritava dentro dela todos os dias? O amor que a mantinha viva, pelo simples fato de um dia poder reencontrá-lo? E agora ela estava diante dele, arrependida e indignada com ela mesma. “Eu o reconheceria até debaixo da terra”.
Lentamente eu tirei o meu capacete. Baguncei os meus cabelos como sempre fazia, para livrá-los daquele aspecto grudado sobre a cabeça. Encarei ela para que ela reconhecesse meu rosto.
O silêncio gritou entre nós enquanto ela corria os olhos por cada parte do meu corpo. Os olhos dela pararam em minhas mãos. Eu as contraí. Meus dedos estavam todos sujos e as unhas por cortas. Mas pro meu espanto ela disse:
- Não. Deixe-as a mostra. Gosto delas.
Senti uma onda de calor tomar conta do meu corpo. Mas não o calor do medo que eu senti a pouco, e sim o calor do amor.
- Você demorou pra voltar.
- Eu não tinha certeza de que você gostaria de me ver. Fiquei perdido, mas sempre quis voltar. Afinal, eu nunca fui.
- Eu queria pedir desculpas...
- Não vim aqui em busca de desculpas e nem pra saber o porquê das coisas. Só te abordei porque queria voltar para sua vida. Mesmo que fosse só pra ouvir algumas palavras tuas.
- É, mas eu lhe ofendi.
- Tudo bem...
Eu queria dizer tudo a ela. Queria jogar nela toda a minha angustia, todos aqueles dias intermináveis, todas aquelas noites em claro. Queria colocar nela a cicatriz que ela fez em mim. O buraco sem fim que ela abriu e me jogou dentro. As lágrimas sofridas. As lágrimas embargadas que eu tive que deixar secar para que ninguém visse meu choro no trabalho ou em casa. Eu quis colocar nela todo o sofrimento que ela me causara, porém eu não o fiz. Não fiz, porque o que eu sinto por ela é muito maior do que as feridas que ela me causou. Não o fiz pelo fato de não querer nunca magoá-la, embora sentisse na pele todos os dias o sofrimento de conviver com o silêncio dela.
Enquanto eu estava submerso em pensamentos, ela me olhava com aquele mesmo olhar doce. Impossível não amá-la. Não desejá-la. Impossível me manter longe dela. Foi então que me aproximei de novo enlaçando a sua cintura, deixando nossos corpos tão juntos quanto da primeira vez que a coloquei contra a porta de vidro. Senti seu ofegar e o seu coração bater contra o meu peito. Levei minha mão até seu rosto e quando eu ia conseguir finalmente roubar um beijo dela, ela disse:
- Eu não posso. Eu estou com alguém. Desculpa.
Ela abaixou os olhos tentando esconder o constrangimento e em seguida os meus olhos procuraram o chão, tentando esconder a minha dor. Só então pude perceber que por mais que eu tenha tentado não pensar nela, por mais que os dias tenham se passado, por mais que a ferida já tivesse criando casca, eu ainda me machucava por ela. Se eu me machucava, era culpa dela. Era tudo culpa dela, porém agora era minha também, pois fui eu quem entrou no caminho dela essa noite. Ela não pediu pra que eu a encontrasse. Fui eu quem quis parar, descer da moto e tentar roubar um beijo dela. Era tudo culpa minha.
Juntei o meu capacete do chão. Não percebi que havia o deixado cair quando o tirei para que ela pudesse ver meu rosto. Não encarei o olhar dela. Não queria mais uma dor pra colecionar. De dor eu estava farto. Enquanto eu caminhava em direção a motocicleta, o chão onde eu pisava ia abrindo novos buracos pra que eu entrasse. O céu me enrolava com o seu manto azul marinho. Me sufocava. A escuridão da madrugada sem lua me rodeava, quando ela disse:
- Eu estou com ele, mas é você quem eu amo.
Eu não me virei, mas parei onde estava. Não sabia se sorria ou se chorava. De que adiantava ela me amar, se estava vivendo com outro? Não era mais eu quando ela acordava, nem quando ela ia dormir, e no restante do dia, em pensamentos e lembranças. Eu sabia bem que a intenção dela era se livrar do que ela sentia por mim, mesmo ela me dizendo que não. Quando estamos dentro de alguém, sempre sentimos o que a pessoa sente. Fiquei com vergonha de olhar para ela. Não queria que ela me visse chorando. Em outros tempos ela odiava minhas lágrimas, não sabia se ela ainda as odiava, mas não queria por isso a prova, não queria trazer dor para ela, mesmo estando eu tomado pela dor que ela me causava. Eu, um cara crescido, vacinado, aqui, me debulhando em lágrimas por causa dela. Disseram-me que o amor de verdade, aquele qual a gente não consegue explicar, e, por mais nós nos empenhamos em demonstrá-lo, parece que nunca conseguimos mostras para aquele alguém especial o quão grande é o que sentimos, nos dá a vida como pode também nos tirar. Eu já havia perdido a minha. Quando me mataram esqueceram-se de me avisar pra descansar em paz e eu vivia só por viver. Só pra não jogar fora a vida que os meus pais me deram.
Criei coragem e a encarei. Ela também estava com lágrimas no olhar. Eu não acreditei quando a vi caminhando em minha direção. Fiquei esperando ela chegar até mim. Não fui ao encontro dela. Eu estava desnorteado, pois mesmo não querendo fazer planos, eu os fiz. Eu construí o sonho de encontrá-la novamente e de saciar a fome desse parasita chamado amor que em mim habita.
Ela chegou perto de mim e sem pedir licença enlaçou o meu pescoço e me assaltou. Foi ela quem roubou um beijo meu. Eu não acreditei quando pude provar daquele beijo de novo. Aquele beijo com amor, com paixão e desejo. Eu havia ficado com outras mulheres, só pra passar o tempo, mas nenhuma nunca me dera um beijo, assim forte e ao mesmo tempo deliciosamente delicado. Um beijo de amor. Meus braços tinham vida própria naquele momento. Eu não sabia se enlaçava o corpo dela pela cintura ou se segurava o rosto dela entre as minhas mãos. Acabei por segurar a nuca dela, deixando a minha outra mão afagando sua bochecha.
Eu sabia que por ela ter construído outra vida ao lado de outro alguém, não poderia seguir comigo. Que poder ela até poderia, mas eu sabia que ela não iria fazê-lo. Algo me dizia que por mais amor que ela sentisse por mim, nossos dias de namorados haviam acabado naquela tarde de inverno quando ela dissera-me que não ficaríamos mais juntos.
Enquanto a beijava, senti algo molhar meu rosto, mas dessa vez as lágrima não eram minhas. Quantas vezes sofri por ver aquelas lágrimas. E outras tantas enxuguei.
O beijo parou de beijar. Os meus olhos abriram antes que os dela. Eu sabia o que ela mediria. Eu sabia que ela já tinha uma frase pronta. Ela diria: Eu não posso. Então eu a poupei de dizê-las. Levei minhas mãos até suas costas e a acolhi num abraço forte. Senti ela me abraçar.
Eu não quis saber onde ela estava morando e nem com quem ela estava morando. Não quis saber se ele era bonito ou feio, se era um bom sujeito. Eu corria o risco dele ser melhor do que eu. Isso me deixaria mal. De toda e qualquer forma, minha consciência já havia se encarregado de me fazer pensar nestas possibilidades. Preciso de férias da minha consciência.
Nossos corpos se desuniram, mas antes de deixá-la ir, lhe dei um beijo na testa. Um beijo com ternura. Ela sentiu, eu sei que sim.
- Por mais distantes que estejamos, estaremos sempre perto. Foi as ultimas palavras que ela me disse naquela noite.
Agora, traçando o meu caminho, ia compartilhando os meus pensamentos com o meu capacete.
- O que será que ela estava precisando comprar naquela loja?
- Eu vou reencontrá-la outra vez. Disse eu à minha esperança que agoniava por não ter que dar o seu lugar à desistência.
Enquanto as árvores andavam para trás, eu seguia sentindo o beijo dela. Pensei que por mais que as coisas tenham dado errado, eu ainda tinha as boas lembranças. Muito boas. Fiz questão de esquecer que as boas lembranças doem. Doem muito.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Por mais quieto que seja o seu silêncio, jamais fará com que o meu coração se cale.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

"Seus olhos encheram-se de lágrimas. Por um instante embargadas, as lágrimas acabaram por transbordar. Esmagou-as com o avesso da manga. Acontecera muito repentinamente. Houve lágrimas também sobre a mesa."

sábado, 14 de agosto de 2010

Seu corpo tem necessidade do meu. A necessidade que o meu também tem do seu.
Necessidade de sentir a carne um do outro, de tocar o rosto um do outro. De fechar os olhos e acariciar um ao outro. Ou com os olhos aberto mesmo, só pra não perder nenhum sorriso.
Meu rosto tem necessidade das tuas mãos. Tuas mãos que o pegavam por inteiro, pois são maiores que as minhas.
Minha mão conhece cada parte sua. Cada curva.
Conheço cada movimento seu.
Seu corpo conhece o meu desejo, assim como o meu conhece o seu.
Aquele dia no carro, a primeira vez. A chuva gelada atrás dos vidros. No estacionamento, carros. Amamos-nos ali.
Quando o amor é feito com amor, ele é gravado um no outro assim, como todas as outras vezes foram gravadas em mim. Todas elas. Cada uma delas.
Uma noite, enquanto tu dormias, eu te observava. Seu rosto delicado era sonolento. Um sono lindo junto de uma respiração calma e forte. Tu respiras assim, forte. Eu gosto. Passei a ponta dos meus dedos no seu rosto. Afaguei tua bochecha de leve para que não acordasse.
Beijei-te os lábios. Um beijo breve. Adormeci ao teu lado.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

É preciso

Sentada sobre as pernas ela embalava o corpo lentamente, para frente e para trás.
As suas mãos pequenas alisavam o seu próprio rosto. Deslizavam dos olhos até o queixo. Quando a mão cegava ali, no queixo, os dedos o esfregavam assim, duas ou três vezes. A boca se abria. Os olhos cerrados faziam parecer que a alma queria se liberta daquele corpo que a mantinha presa ali. Um gesto desesperado.
Os soluços só não ecoavam porque o mar não possui paredes. Foi exatamente por isso que ela escolheu sentar na areia naquela noite.
Ela não se importou com a areia molhada. Ela não se importou com nada. Há não ser com a dor que lhe fazia companhia.
Gritava palavras soltas. Palavras duras.
Por mais alto que ela ousasse gritar, por mais areias que suas unhas tendessem a raspar, nada se compara à tamanha angustia que ela sentia. E o pior de tudo é que ela se permitia sentir aquilo. De certo modo a fazia bem chorar e gritar. Parecia descarregar um pouco da dor.
Chorou ali até cansar. Gritou até sua voz fazer som gutural por estar rouca. Deitou-se na areia. O mar molhava os seus cabelos. A Lua iluminava o seu rosto, igualmente quando a tela do cinema ilumina os rostos dentro de uma sala escura.
Ficou vazia por um instante. Fria. Olhas fixo na imensidão azul que era o céu da noite.
Esperou a dor sobrecarregar outra vez.

domingo, 18 de julho de 2010

Gelo seco

O sol se mostra incolor nessa manhã fria. A cor com a qual o céu foi pintado hoje mostra que a cor cinza chumbo não é tão feia para uma manhã de inverno se for comparada ao estrago que o ar extremamente frio causa naquele pulmão tão frágil, tão alérgico, tão asmático, dentro daquele corpo magro com tão pouca massa muscular.
O ar, quando aspirado, invade tão rápida e bruscamente a profundidade daqueles pequenos pulmões, que as superfícies dos tais não são rápidas o bastante para aquecê-los e impedir que o ar gelado congele-os. A fumaça do gelo seco é expirada - É como se a fumaça do cigarro estivesse contida dentro de você. Um cigarro imenso, eu diria, pois o a fumaça que tende a sair é todo aquele ar que precisa entrar, se o seu diafragma estiver relaxando e contraindo conforme tem de ser.
Com a caneca de café quente nas mãos e os meus olhos fixos nos meus próprios olhos, diante do espelho eu imploro para que os meus pulmões agüentem para respirar o ar quente que o verão há de trazer.

domingo, 30 de maio de 2010

Nossas iniciais

Lembro desde o inicio: os lados sendo construídos por ti. Cada centímetro de lado sendo criado com delicadeza e amor. Em cada um dos lados tu colocaste encantamento.
Quando os lados já estavam alinhados por inteiro, faltava apenas um lado para que o quadrado se fechasse. Talvez por acanhamento, tu fingiste não saber fazê-lo.
Era o lado que exigia ser a frente. Tive de fazê-lo, por necessidades minhas. O fiz com muito prazer. Pintei cada parte como achava que devia, e tive sorte por tu estares enxergando as cores que coloquei nele.
Fiz a frente com ternura. A ternura que tu já tinhas colocado como preenchimento. De tão pura que a ternura era, não escapou pela parte que ainda estava aberta. Isso me leva a crer que essa tua ternura é deveras minha.
A paixão foi adicionada ao quadrado por ambos. A paixão deixou a infância de lado pra se tornar amor. Portanto, existe paixão no nosso amor, pois nosso amor é o amadurecimento das nossas paixões.
A área total do nosso quadrado é confiança.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Agonia

O rosto espreme os olhos até que as lágrimas fujam deles, e então, depois de alguns minutos, completamente molhado, o rosto se satisfaz. Os braços se cruzam diante do peito, tentando mostrar toda indignação daquele corpo. A cabeça tomba para trás e os olhos se prendem no céu. As perguntas gritam, porém um lábio permanece pressionando o outro. As perguntas se espalham dentro de cada vaso sanguíneo; as dúvidas permanecem vivas.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Uma música calma, composta por palavras doces e gentis, me faz notar o silencio que os dias fazem por aqui quando tu não estás comigo. A música vai tocando, o silencio mórbido em torno dela me faz crer que tu não vens hoje, e eu sei disso. Eu sinto. Ela soa alto nos meus ouvidos, mas eu não me embalo nem um pouco. Por que me embalaria se ao mesmo tempo em que a música vai colocando ritmo nas suas palavras doces e gentis, ela canta coisas tristes pra mim? Essa música me chateia, mas por motivos desconhecidos eu não consigo deixar de ouvi-la, porque ela me leva até meu interior para que eu possa te encontrar e eu sempre te encontro. Eu não tenho motivos pra chorar, eu te tenho, porém não tenho motivos, também, para conter as lagrimas que tendem a cair.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

É sempre amor

O telefone não vai tocar, então ele não se esforça para encontrá-lo. Mantém os olhos fechados, serrados.
O quarto escuro não o deixa saber se lá fora o sol está pintado no céu, ou se aquelas nuvens cinza ainda estão lá. Pode parecer loucura, mas ele prefere que elas ainda estejam lá, só assim, continuarão a combinar com ele.
Ele se espreguiça, com o objetivo de mandar o sono embora, mas seus olhos ainda se sentem pesados, pelo fato das pálpebras estarem inchadas. E é ao notar o peso delas que as recordações da noite passada o tomam por completo.
"Impossível esquecer aquelas palavras" ele pensa.
Senta-se na cama e alcança o chão com as solas dos pés. Sorte que o parque do seu quarto não é tão gelado quanto o piso do corredor que leva até o banheiro.
Ele esfrega os olhos, tentando aliviar o peso, mas é em vão, eles ainda parecem sonolentos. Vira a cabeça rapidamente a procura do relógio e se não fosse aquela iluminação vermelha e fosca que formam os números no relógio, o quarto estaria totalmente no escuro.
Levanta e caminha até onde o relógio está sobreposto. O relógio marca 06h59min. Ele aguarda e quando o relógio libera o primeiro "bip" ele deixa o peso do seu dedo cair sobre o botão, para cessar o barulho que o despertador faz. Era a hora que ele deveria acordar, se vestir em menos de cinco minutos, pegar o café que ela já havia de ter sido preparado e deixado sobre a mesa junto do seu casaco, pois nas manhãs sempre fazia mais frio do que no restante do dia, e ela se preocupava muito com a saúde dele.
Ainda com o dedo sobre o botão do relógio, ele faz essa trajetória com a sua mente: roupa, café, casaco, atraso... Nada parecia fazer sentido hoje, estava tudo tão... Calmo.
Não era pra isso estar acontecendo, porque era uma terça-feira e na terça-feira, geralmente, ela deixa o chocolate ao lado do café, como se fosse uma tradição. Na verdade era uma forma de controlar a alimentação dele, que era muito desregulada. E isso fazia com que ele corresse até a cozinha só pra tirar aquele chocolate da embalagem e enfiá-lo na boca todo de uma só vez.
Ele não se veste, ou melhor, não troca de roupas e caminha até a cozinha. A agenda dela está sobre a mesinha, o celular, o relógio, a pulseira... No sofá a calça Jens que ela mais gostava, aquela camisa branca, e no chão o sapato. Mas apenas um, o outro ele bem se lembra que ela atirou nele na noite passada.
A sensação de fraqueza chega, e junto dela o arrependimento. Incrível como esses dois sempre chegam juntos e acabam fazendo com que as lagrimas se mostrem.
-Será que devo ir até o trabalho dela? Não, mas ela não iria nem sair do prédio se me visse ali parado. Acho que devo ficar aqui sentado.
As horas passaram e ela não voltou. Com receio que ela tivesse feito o que ele temia, ele corre até a garagem e vai ao mercado onde ela costumava ir sempre após o expediente pra comprar o que faltava em casa para fazer o jantar.
Ao estacionar o carro na entrada do mercado, ele espera uns minutos, para tomar coragem. Talvez ela não estivesse lá dentro e a tristeza ia ser maior ainda. Ia doer muito mais do que já estava doendo o dia todo.
Ele entra, caminha por todos aqueles longos corredores, sendo cauteloso em cada passar de prateleiras, mas nenhum sinal dela.
Ele prega os seus olhos no chão até chegar ao carro, e sem pensar em outra coisa além de que talvez ela possa ter feito, ele dirige de volta pra casa.
Com o choro entalado na garganta, ele abre a porta de entrada e sem levantar a cabeça, caminha até a mesa de centro e larga as chaves. Antes que ele se virasse, a voz doce que ele sempre espera ouvir quando chega do trabalho, a voz que ele sempre espera dizer eu te amo, disse:
-Faz exatos 40 minutos que eu estou aqui sentada te esperando chegar, onde esteve?
Aquele riso bobo de uma criança que acabara de ganhar aquele brinquedo tão desejado surge no rosto daquele jovem adulto. Ela sorri também, e eles não precisam das palavras, porque o amor um do outro está presente dentro de cada um daqueles dois corpos.