segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

É sempre amor

O telefone não vai tocar, então ele não se esforça para encontrá-lo. Mantém os olhos fechados, serrados.
O quarto escuro não o deixa saber se lá fora o sol está pintado no céu, ou se aquelas nuvens cinza ainda estão lá. Pode parecer loucura, mas ele prefere que elas ainda estejam lá, só assim, continuarão a combinar com ele.
Ele se espreguiça, com o objetivo de mandar o sono embora, mas seus olhos ainda se sentem pesados, pelo fato das pálpebras estarem inchadas. E é ao notar o peso delas que as recordações da noite passada o tomam por completo.
"Impossível esquecer aquelas palavras" ele pensa.
Senta-se na cama e alcança o chão com as solas dos pés. Sorte que o parque do seu quarto não é tão gelado quanto o piso do corredor que leva até o banheiro.
Ele esfrega os olhos, tentando aliviar o peso, mas é em vão, eles ainda parecem sonolentos. Vira a cabeça rapidamente a procura do relógio e se não fosse aquela iluminação vermelha e fosca que formam os números no relógio, o quarto estaria totalmente no escuro.
Levanta e caminha até onde o relógio está sobreposto. O relógio marca 06h59min. Ele aguarda e quando o relógio libera o primeiro "bip" ele deixa o peso do seu dedo cair sobre o botão, para cessar o barulho que o despertador faz. Era a hora que ele deveria acordar, se vestir em menos de cinco minutos, pegar o café que ela já havia de ter sido preparado e deixado sobre a mesa junto do seu casaco, pois nas manhãs sempre fazia mais frio do que no restante do dia, e ela se preocupava muito com a saúde dele.
Ainda com o dedo sobre o botão do relógio, ele faz essa trajetória com a sua mente: roupa, café, casaco, atraso... Nada parecia fazer sentido hoje, estava tudo tão... Calmo.
Não era pra isso estar acontecendo, porque era uma terça-feira e na terça-feira, geralmente, ela deixa o chocolate ao lado do café, como se fosse uma tradição. Na verdade era uma forma de controlar a alimentação dele, que era muito desregulada. E isso fazia com que ele corresse até a cozinha só pra tirar aquele chocolate da embalagem e enfiá-lo na boca todo de uma só vez.
Ele não se veste, ou melhor, não troca de roupas e caminha até a cozinha. A agenda dela está sobre a mesinha, o celular, o relógio, a pulseira... No sofá a calça Jens que ela mais gostava, aquela camisa branca, e no chão o sapato. Mas apenas um, o outro ele bem se lembra que ela atirou nele na noite passada.
A sensação de fraqueza chega, e junto dela o arrependimento. Incrível como esses dois sempre chegam juntos e acabam fazendo com que as lagrimas se mostrem.
-Será que devo ir até o trabalho dela? Não, mas ela não iria nem sair do prédio se me visse ali parado. Acho que devo ficar aqui sentado.
As horas passaram e ela não voltou. Com receio que ela tivesse feito o que ele temia, ele corre até a garagem e vai ao mercado onde ela costumava ir sempre após o expediente pra comprar o que faltava em casa para fazer o jantar.
Ao estacionar o carro na entrada do mercado, ele espera uns minutos, para tomar coragem. Talvez ela não estivesse lá dentro e a tristeza ia ser maior ainda. Ia doer muito mais do que já estava doendo o dia todo.
Ele entra, caminha por todos aqueles longos corredores, sendo cauteloso em cada passar de prateleiras, mas nenhum sinal dela.
Ele prega os seus olhos no chão até chegar ao carro, e sem pensar em outra coisa além de que talvez ela possa ter feito, ele dirige de volta pra casa.
Com o choro entalado na garganta, ele abre a porta de entrada e sem levantar a cabeça, caminha até a mesa de centro e larga as chaves. Antes que ele se virasse, a voz doce que ele sempre espera ouvir quando chega do trabalho, a voz que ele sempre espera dizer eu te amo, disse:
-Faz exatos 40 minutos que eu estou aqui sentada te esperando chegar, onde esteve?
Aquele riso bobo de uma criança que acabara de ganhar aquele brinquedo tão desejado surge no rosto daquele jovem adulto. Ela sorri também, e eles não precisam das palavras, porque o amor um do outro está presente dentro de cada um daqueles dois corpos.